sexta-feira, 8 de maio de 2009

Cruz de Maio, Cruz de Cristo!


Quem não bebe na fonte da sua memória, corre o risco de extraviar-se no labirinto do esquecimento. Se andamos órfãos desta, estamos condenados a começar a nossa marcha de novo a cada dia, como uma pena eterna, como os que eram adversários dos desígnios divinos na Grécia. Por isso quero abrir estas linhas neste Domingo da Cruz de Maio, com umas palavras de José Martí:

“Terminam o corredor e metem o pé na merda, penduram as cordas, erguem-lhes as cabeças, enfiam-lhes as quatro mortalhas.

Submissão no rosto de Spies; no de Fisher, firmeza; no de Parsons, orgulho radiante; a Engel, que faz rir com um chiste o seu séquito, afundou-se a cabeça nas costas”.

E continua Martí:

“E ressoa a voz de Spies, enquanto cobrem as cabeças dos seus quatro companheiros, com um tom que entra nas carnes daqueles que o ouvem: ‘a voz que vais sufocar será mais poderosa no futuro do que todas as palavras que possam agora ser ditas’.”

Assim descreveu o apóstolo em Janeiro de 1888 para o diário argentino La Nación, a execução dos quatro mártires de Chicago naquele lutuoso 11 de Novembro de 1887: mártires porque foram fiéis, ao ponto de darem a vida, à justa indignação que os levou a rebelarem-se no 1º de Maio de 1886.

Dia trágico aquele 11 de Novembro, ferida difícil de sarar, símbolo da memória histórica dos trabalhadores e das suas lutas: consequência directa da multiplicação dos desmandos e atropelos a partir da Revolução Industrial, em funesto matrimónio com o capital, entronizou-se no poder. Mas a voz de Spies continua a entrar-nos nas carnes: é a voz da dignidade de quem acreditou e continua a acreditar num evangelho de justiça e de igualdade traduzido em vida: de todos aqueles que apostaram e continuam a apostar na redenção terrena: de todos aqueles leais à vida e adversários da morte.

Para nós, comungando com os mais elevados interesses da humanidade, o Dia Internacional do Trabalhador tem não só o sentido da inexorável homenagem à memória da prolongada luta dos povos: é a reafirmação do compromisso de prosseguir no combate para ver o sol do socialismo encarnado entre nós.

Quero recordar as palavras de uma mulher do nosso povo, na concentração de trabalhadores socialistas do último 1º de Maio: “Hoje é o dia do José povinho, da Maria lavadeira. Hoje é o dia da sua dignificação na Venezuela”. Pelo José povinho e pela Maria lavadeira, deram a sua vida os mártires de Chicago: pelo José povinho e pela Maria lavadeira, pela sua dignificação total, é essa a nossa luta.

E como para buscar alento num dos mártires de Chicago, refiro-me a Albert Spies, trago a esta página umas palavras luminosas, ditas em sua defesa e em defesa dos seus companheiros, perante o tribunal que o condenaria à morte: “Mas se julgam que enforcando-nos podem conter o movimento trabalhista, esse movimento constante no qual se agitam milhões de homens que vivem na miséria, os escravos do salário; se esperam e acreditam ser essa a salvação: enforquem-nos…! Aqui tentam apagar um vulcão, e além e acolá e debaixo e ao lado e em todas as partes fermenta a Revolução. É um fogo subterrâneo que todos minam”.

Cruzando os tempos daquela Chicago até à Venezuela dos nossos dias, temos que dizer que a nossa Revolução Bolivariana também passa por esse mesmo fogo subterrâneo que alentou os trabalhadores e operários daquela gloriosa jornada.

Dali o nosso compromisso com os nossos homens e com as nossas mulheres que em cada jornada saem aos campos e às fábricas construindo a Pátria. A vós o meu reconhecimento já que sem o vosso incansável esforço a transformação radical e revolucionária a que nos propomos seria impossível. A vós que são força viva, força crítica e força soberana da Venezuela socialista que estamos a construir, é feita pois a minha homenagem.

A crise económica mundial, que é uma crise estrutural do capitalismo, não deterá o avanço para o socialismo na Venezuela.

Devemos ser um Governo realmente e verdadeiramente trabalhista, um Governo de todos os trabalhadores e trabalhadoras, nas palavras e nos actos: não podem haver práticas institucionais, governamentais, que contradigam a nossa definição trabalhista.

Antes de mais: não pode haver relação de tutela no que diga respeito aos trabalhadores dentro da construção do nosso modelo socialista. Não é nem ao Estado, nem ao Governo e nem ao PSUV que compete organizar e dirigir os trabalhadores: toca aos próprios trabalhadores assumir essa responsabilidade histórica, classicista, que lhes pertence.

León Trotsky para definir o Estado despótico que se consolidou com o estalinismo, chamava-lhe Estado trabalhista degenerado. Pelo contrário, um verdadeiro Estado trabalhista, dos trabalhadores e das trabalhadoras, deve ser capaz não só de gerar novas relações de produção e novas categorias e condições de tempo e trabalho, deve também impulsionar o processo de transferência de poder que estenda o controlo de todos os operários, trabalhadores, sobre todo o processo de produção. É certo, é um processo que demora tempo mas a sua dinâmica tem que se iniciar já.

Temos que fundar e consolidar uma nova consciência laboral que, segundo uma grande lutadora e filósofa francesa chamada Simone Weil, deveria ser marcada não pelos grosseiros dividendos do capital nem pelos mesquinhos interesses personalistas, e sim na e pela proporção cada vez maior de liberdade. E eu acrescentaria: da liberdade autêntica, isto é, a que se conquista na batalha quotidiana contra a exclusão e a desigualdade.

Trabalhadores e trabalhadoras da minha Pátria!: saibam que têm em mim um aliado incansável. Enquanto que no planeta surgem 190 milhões de desempregados vaticinados pelo OMT em 2008, aqui estamos numa luta sem quartel pela, citando Bolívar, suprema felicidade social.

Não haverá Revolução sem classe trabalhadora!

Não podemos aprofundar a Revolução sem a classe trabalhadora!

Não haverá socialismo sem a participação e o protagonismo da classe trabalhadora!

Um grande objectivo histórico continua pendente: converter a Venezuela num país de leitoras e de leitores; de leitoras e de leitores activos e críticos e com sentido de pertença. E a isso dá resposta o Plano Revolucionário de Leitura que começou a estabelecer a sua dinâmica criativa e libertadora por todo o território da Pátria, logo após o seu lançamento no passado 25 de Abril.

Trata-se e ler para transformar-se: para que cada homem e mulher, através deste novo processo de formação para a leitura, se converta em sujeito de transformação da realidade nacional rumo ao socialismo.

Há que ler e ler, não só os livros, mas a realidade circundante. É inegável a poderosa incidência da leitura na formação de uma nova subjectividade: a que necessitamos para construir verdadeiramente o nosso socialismo. Recordemos que na batalha mediática de cada dia, cada um de nós é um meio de comunicação e difusão. Neste sentido, o Plano Revolucionário de Leitura vai optimizar a nossa estratégia comunicacional porque irá converte-la num tema real e verdadeiramente colectivo.

O Plano Revolucionário de Leitura foi pensado e concebido para aqueles que padecem secularmente da mais atroz exclusão cultural e cognitiva: aquelas vítimas da violência da ignorância. O processo que os vai converter em leitoras e em leitoras, que o são em potencial, está em funções para elevar a sua capacidade como construtores e construtoras de uma nova sociedade e um novo mundo de vida.

Ser cultos para ser livres, afirmamo-lo com Martí. A cultura é a base fundamental da nossa liberdade. A boa leitura é o maravilhoso caminho para a libertação definitiva.

Cruz de Maio, Cruz de Cristo, Cruz de todos, Cruz de todas!

Contigo vamos, Cruz bendita dos oprimidos.

E vamos cantando:

Pátria, socialismo ou morte!

Estamos vencendo!

Venceremos!

Hugo Chávez Frias
03 de Maio de 2009